Projeto de Lei nº 1.704 de 2022 que estabelece diretrizes para política de emergência transitória de preços de combustíveis fósseis.
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS IMPORTADORES DE COMBUSTÍVEIS – Abicom, uma instituição que representa 10 agentes importadores, e que tem como principal objetivo promover o desenvolvimento do setor de combustíveis líquidos no Brasil, com foco na expansão e garantia do abastecimento nacional, fomentando a livre concorrência e incentivando investimentos, vem informar:
A precificação dos derivados de petróleo é um fator estratégico que influencia diretamente a eficiência econômica e a segurança energética de um país. Preços bem definidos garantem alocações eficientes de recursos e incentivam investimentos na cadeia produtiva evitando distorções que podem comprometer o abastecimento interno, especialmente em momentos de instabilidade. Assim, uma política de preços transparente e alinhada às realidades nacionais é essencial para o equilíbrio entre oferta, demanda e competitividade.
No caso específico, o referido Projeto de Lei visa estabelecer um preço teto para comercialização dos derivados de petróleo produzidos nacionalmente e esse teto deverá ser inferior ao Preço de Paridade de Exportação (PPE). Tal medida, mesmo que excepcional e implantada em uma situação de emergência transitória e por tempo determinado, não é compatível com a livre concorrência e a defesa do consumidor.
- O PPE considera o preço que o produto refinado teria se fosse exportado, ou seja, descontando-se os custos logísticos (frete, seguro, taxas portuárias) e margens associadas à operação internacional. Essa lógica faz sentido para Agentes cujo foco é o atendimento do mercado externo. O Brasil sendo um importador líquido dos principais derivados de petróleo (óleo diesel, gasolina, GLP e QAV) e cujas refinarias e demais produtores nacionais têm como foco prioritário o abastecimento do mercado interno, ao fazer uso do PPE como referência desconsidera as condições reais da operação doméstica e leva a uma precificação artificialmente baixa para o mercado interno.
- Há de se destacar que adoção, mesmo que temporária, de uma precificação artificialmente baixa para os combustíveis fósseis impacta e atrasa a Transição Energética, uma vez que a competitividade dos biocombustíveis será reduzida frente aos seus substitutos fósseis. O Brasil já vivenciou esse fato quando os preços da gasolina foram congelados, que reduziu a competitividade do etanol hidratado e gerou enormes dificuldades financeiras e até o fechamento de algumas usinas de etanol.
- O PPE reflete o preço que um Agente estaria disposto a pagar ao exportar, já deduzindo todos os encargos. Assim, com os preços domésticos baseados no PPE, há o risco de ficarem próximos ou até abaixo do nível necessário para cobrir os custos de produção, operação e remuneração do capital investido. Com isso, cria-se o risco de subprecificação, o que pode desestimular investimentos no refino nacional e até levar à ociosidade da capacidade instalada. A consequência pode ser a redução da produção nacional e o aumento da dependência de importações, comprometendo a autossuficiência e a previsibilidade no fornecimento de combustíveis, com risco de desabastecimento.
- Preços baseados no PPE tendem a ser mais baixos do que os formados por outras formas de precificação e isso pode provocar queda na arrecadação de tributos, além de comprometer a rentabilidade ao longo dos elos da cadeia de suprimento de combustíveis.
Em uma análise mais específica, vamos expandir o raciocínio anterior para explicar o porquê usar o PPE continua inadequado mesmo nos dois cenários mais relevantes que geraram o referido Projeto de Lei:
1 – Crises de abastecimento nacional, e
2 – Altos preços internacionais das commodities (RBOB e Heating Oil na NYMEX).
O PPE parte da lógica de que o produto refinado será vendido no mercado externo, ou seja, é o preço que um produtor doméstico aceitaria para exportar, deduzindo custos logísticos e margens associadas à exportação. Em tese, isso pode parecer atrativo em termos de competição internacional, mas há distorções evidentes quando aplicado ao caso brasileiro que possui uma grande dependência externa para garantia do abastecimento.
Cenário 1 – Crises de abastecimento nacional
Seja esse cenário causado por problemas logísticos, operacionais, climáticos ou geopolíticos a prioridade de uma política energética e comercial deve ser garantir o suprimento nacional com estabilidade e previsibilidade. Se fosse adotado o PPE como base de precificação, o risco gerado poderia ser duplo:
- Incentivando à exportação em detrimento do mercado interno, pois ao oferecer um preço que simula o valor de exportação, o PPE pode tornar mais lucrativo exportar do que vender internamente. Isso compromete diretamente o abastecimento local, num momento em que ele já está tensionado.
- Desconexão com a realidade da escassez uma vez que o PPE ignora a valorização que o produto pode ter no mercado doméstico diante da escassez o que deveria ser um sinal econômico para atrair oferta local ou racionalizar a demanda. O PPE, em um cenário de crise, pode enviar o sinal econômico errado ao mercado.
Cenário 2 – Altos dos preços internacionais das commodities (RBOB e Heating Oil na NYMEX)
Quando os preços das referências internacionais como o RBOB (gasolina) e o Heating Oil (diesel) estão em alta devido às guerras, restrições de produção, sanções, ou picos sazonais de demanda, o PPE pode produzir uma anomalia na precificação. Ao aplicar o PPE durante esse período, cria-se uma distorção de mercado, especialmente no caso brasileiro que é um país que depende das importações para o atendimento da demanda interna. O preço interno estaria artificialmente menor que o preço que seria pago para realizar uma importação o que desestimularia importações pelos Agentes, comprometendo o abastecimento, sobretudo em regiões onde a produção interna é insuficiente (Regiões Norte e Nordeste). Em situações de crise no abastecimento, a prioridade deve ser estimular a produção e importação para suprir o mercado.
Em ambos os casos relatados anteriormente, o uso do PPE como critério de precificação falha ao alinhar incentivos econômicos com a segurança energética e a lógica de mercado. Ele enfrenta deficiências ao incorporar o valor de escassez, desestimula produção e a importação em um país importador líquido, e pode comprometer o atendimento ao consumidor final, especialmente em um país com dimensões continentais cuja capacidade de refino está concentrada na Região Sudeste. O mercado de refino brasileiro além de altamente concentrado regionalmente possui a Petrobras como Agente Dominante com poucas refinarias privadas e importadores independentes. A utilização do PPE, num mercado sem competição plena, pode ser usada como instrumento de controle artificial de preços, distorcendo a livre formação de preços e afetando a previsibilidade dos agentes de mercado.
A adoção de uma abordagem baseada em custos internos com margens eficientes ou do Preço de Paridade de Importação (PPI) são as mais condizentes com os objetivos de estabilidade, abastecimento e sinalização correta aos agentes econômicos.
Considerando a importância do aprimoramento contínuo da legislação brasileira frente a dinâmica geopolítica global e as crescentes crises climáticas e, reconhecendo a importância de proteger o consumidor brasileiro dos impactos que os choques internacionais causam nos preços dos combustíveis e, de forma simultânea, garantindo que qualquer intervenção nos preços preserve a sustentabilidade econômica da cadeia de abastecimento e não comprometa a segurança energética do país. O presente substitutivo visa aprimorar a proposta original do Projeto de Lei nº 1.704, de 2022, conferindo maior robustez técnica e segurança jurídica à sua aplicação ao incorporar requisitos técnicos objetivos, com protagonismo regulatório da ANP e participação democrática dos membros do CNPE.
Trata-se, portanto, de uma solução pragmática, equilibrada e sensível às demandas sociais, sem renunciar à racionalidade econômica e do bom funcionamento do mercado de combustíveis no Brasil.