A intervenção do presidente Jair Bolsonaro no preço do diesel – ao pedir que a Petrobras não fizesse o reajuste de 5,7% na semana passada – colocou em xeque as novas regras de revisão de preços da estatal e, de quebra, criou um clima de desconfiança entre investidores que acompanham de perto os planos da companhia de vender suas refinarias e fazer uma nova oferta de ações da BR Distribuidora.
Depois da repercussão negativa da interferência presidencial na sexta-feira, que tirou R$ 32,4 bilhões do valor de mercado da empresa, Bolsonaro se reúne com o comando da empresa, amanhã, para discutir os preços dos combustíveis – um encontro que reacende um debate sobre o papel que cabe à Petrobras na gestão da crise com os caminhoneiros.
Segundo especialistas, a discussão sobre como atenuar o impacto do aumento do derivado sobre uma categoria com forte poder de pressão social vai além do maior espaçamento dos reajustes. Há quem defenda no mercado uma periodicidade mínima de 30 dias para reajustes. Entre as alternativas do governo, há instrumentos variados – e de elevada complexidade – como impostos flexíveis e fundos de equalização de preços, redução de impostos e oferta de subsídios direcionados aos caminhoneiros. Alguns desses temas já foram, inclusive, discutidos durante o período de transição de governo.
A mais recente tentativa da Petrobras de reduzir a volatilidade dos preços foi anunciada em março. Em meio a rumores de uma possível nova greve de caminhoneiros, a empresa se comprometeu a reajustar o diesel com intervalo mínimo de 15 dias, tornando o reajuste mais espaçado.
A ideia fracassou no primeiro teste. Depois de 20 dias com preços congelados, num momento de alta do petróleo, a estatal decidiu então aumentar em 5,7% o diesel, na quinta-feira (11). Após determinação de Bolsonaro a empresa suspendeu o reajuste e reforçou a preocupação do mercado sobre sua real autonomia para corrigir seus preços.
Para Edmar Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bolsonaro erra ao concentrar a discussão nos preços. “O grande erro [dos governos passados] foi sempre olhar para as refinarias como alvo das políticas públicas. É muito fácil pegar o telefone e ligar para o presidente da Petrobras, mas soluções que envolvam o caixa da Petrobras não são sustentáveis. O governo precisa olhar para seu cardápio de políticas públicas e pensar em alternativas como impostos flexíveis, fundos de estabilização, programas de subsídio direcionados somente para caminhoneiros”, afirma.
O preço cobrado nas refinarias da Petrobras responde por 54% do preço final do diesel; os impostos representam 24%; as margens dos postos e distribuidoras, 16%; e os custos com a mistura com o biodiesel, 6%.
“Onde é que nós refinamos, a que preço, a que custo, eu quero o custo final. Mostrar para a população também, que sempre critica o governo federal, que o ICMS é altíssimo [15% do preço final]. Tem que cobrar de governador também, não só do presidente da República”, disse Bolsonaro, na sexta-feira.
Sobre o estresse no mercado causado pela intervenção, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse sábado que “uma conversa conserta tudo” se o presidente “fizer alguma coisa que não seja muito razoável” na economia. Para o UBS, a interferência do governo tem potencial de prejudicar a geração de fluxo de caixa da Petrobras e reduzir as chances de venda de ativos, devido aos riscos para o refino e distribuição. Em meio à sensibilidade do tema, que na greve dos caminhoneiros de 2018 levou à saída de Pedro Parente do comando da estatal, o Valor apurou que o atual presidente, Roberto Castello Branco, pretende se manter no cargo.
Marcelo Mesquita, conselheiro da Petrobras eleito pelos acionistas minoritários, entende que o episódio foi um caso isolado, embora “lamentável”. Ele não acredita numa mudança estrutural nas diretrizes dos preços da estatal. “A vida segue. Não tem jeito, a realidade é dura. Da mesma forma que a reforma da Previdência e a reforma tributária são duras, mas necessárias, temos que acabar com cultura dos subsídios”, diz.
O ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Hélder Queiroz lembra que o programa de subvenção ao diesel, encerrado em 31 de dezembro, consumiu cerca de R$ 10 bilhões dos cofres públicos. Ele também questiona a atual prática de reajustes da Petrobras, ao argumentar que o intervalo mínimo de 15 dias que a estatal se comprometeu a respeitar não elimina a imprevisibilidade dos preços. “A periodicidade poderia ser o dobro dessa”, opina.
Embora seja um tema sensível para os caminhoneiros, o diesel no Brasil não é caro em relação a outros países. Segundo pesquisa do site Globalpetrolprices.com, o Brasil está entre os 60 países, de um universo de 163, com diesel mais barato para o consumidor final. Para Leonardo Marques, professor do Coppead/UFRJ, a solução precisa ser estrutural. O especialista em logística diz que a prática de uso de mecanismos de proteção (hedge) para conter a volatilidade dos preços para caminhoneiros, como a utilizada pela Petrobras, é uma “solução inteligente”. “Mas faz sentido a Petrobras ser a responsável, e não as instituições financeiras, por ofertar ao mercado esse produto financeiro de proteção à volatilidade das commodities?”, questiona.
O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sérgio Araújo, destaca que o espaçamento dos reajustes tem impactado importadoras privadas, por reforçar a defasagem de preços em relação ao mercado internacional. O resultado disso é que as importações de diesel e gasolina das associadas caíram 60% em março ante fevereiro. No primeiro trimestre, a queda foi de 73% sobre igual período de 2018. Araújo defende um sistema tributário flexível, que reduza impostos quando os preços estão em alta e vice-versa.
O Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) calcula que a defasagem do preço diesel da Petrobras, em relação à paridade internacional, está entre 3% e 6%, enquanto o BTG Pactual estima essa diferença em 5,8%, sem considerar o hedge feito pela estatal. A MacroSector Consultores, por sua vez, calcula que o preço nas refinarias deveria ser reajustado em 7% para alcançar a paridade com o Golfo do México. Embora a maior parte dos cálculos aponte defasagem, não há consenso sobre o tema.
A história recente da política de preços da Petrobras é de idas e vindas. A greve dos caminhoneiros em maio do ano passado, pôs fim aos reajustes praticamente diários da gestão Parente. Na tentativa de aplacar os ânimos do movimento, a petroleira anunciou na época um desconto de 10% no litro do diesel e um congelamento dos preços por 15 dias. Logo depois, o então presidente Michel Temer anunciou um programa de subsídios, com desconto de R$ 0,30 nos preços na refinaria, e reajustes mensais. Este ano, a Petrobras voltou a ter liberdade para reajustar a qualquer momento, mas, já preocupada com a reação, reduziu a frequência via o uso de hedge. (Colaboraram Sérgio Lamucci, de Washington, Rodrigo Carro, do Rio, e Arícia Martins, Rita Azevedo e Ivan Ryngelblum, de São Paulo)
Fonte:
https://www.valor.com.br/brasil/6211625/intervencao-poe-em-duvida-venda-de-ativos-da-petrobras